A Copa do Mundo é nossa
Obras inacabadas, denúncias de
superfaturamento, falta de segurança e outros itens aguçam o olhar crítico da
sociedade brasileira, deixando dúvidas sobre o sucesso e o chamado legado do
megaevento
Maurício Barroso (Revista
Conhecimento Prático em Geografia Ed.54/2014)
Desde que o Brasil foi escolhido
para sediar a Copa do Mundo de Futebol da FIFA e com a proximidade do
megaevento, tudo o que envolve o tema foi calorosamente discutido. A realização
do torneio exigiu investimento pesado em várias áreas, como transporte, infraestrutura
e, principalmente, a construção de novas arenas esportivas nas 12 cidades-sede:
Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS),
Brasília (DF), Cuiabá (MT), Curitiba (PR),
Fortaleza (CE), Manaus (AM), Natal (RN), Recife (PE) e Salvador (BA).
As
obras são parte de um projeto que obedece a normas da Federação Internacional
de Futebol (FIFA) e muitas delas interferiram na vida da população do entorno
das construções. Além deste ponto, o que gera mais polêmica é o chamado legado
da Copa. A lembrança de muitos era a de que os investimentos públicos no evento
seriam de retorno imediato nas cidades-sede, principalmente os setores de
mobilidade urbana e turismo. No entanto, diversas obras de infraestrutura foram
interrompidas e outras simplesmente não saíram do papel.
Diante
desse cenário, a sociedade começou a debater sobre o andamento das obras para a
Copa do Mundo. Valores gastos, queixas e morte de oito trabalhadores durante as
obras das arenas, prazos não cumpridos e manifestações deixaram boa parte da
população insegura.
RECURSOS
PÚBLICOS
Em um país no qual a saúde e a
educação ainda são deficitárias, é natural que surjam muitas opiniões
contrárias à realização do megaevento em terras brasileiras. Para Ruy Martins
Altenfelder Silva, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, esta é
uma boa oportunidade para a sociedade lançar um olhar crítico sobre a qualidade
das despesas cobertas pelos cofres públicos. Por exemplo: "O jurista e
professor Ives Gandra Martins mostra que, apesar de a carga tributária atingir
a marca estratosférica de 37% do PIB (Produto Interno Bruto), uma fatia da
ordem de R$ 183 bilhões/ano é canalizada para remunerar os menos de 1 milhão de
servidores federais, que recebem vencimentos e aposentadorias muito superiores aos
dos cidadãos que labutam na iniciativa privada - e, além disso, vêm sendo
autorizados novos aumentos de até 56%", analisa.
Ainda
segundo Silva, o investimento público para o desenvolvimento, que gera empregos e in a o setor produtivo, decresceu
quatro vezes em relação ao período em que a carga tributária era de 24% do PIB,
caindo de 4% para 1% do PIB. "O resultado está aí, à vista de quem quer
ver: infraestrutura sucateada, educação precária, saúde de‑ ciente, aumento da
violência e outras mazelas".
Segundo
cálculos divulgados pela imprensa, a previsão de gastos com construção e
reformas dos 12 estádios indicados para a realização de 64 jogos chegou a mais
de R$ 5,1 bilhões (o Itaquerão não foi incluído neste cálculo). "Incluindo
as obras de infraestrutura, aeroportos, malha viária, hotelaria, treinamento de
mão de obra, por exemplo, o investimento previsto oficialmente para a Copa deve
bater os R$ 33 bilhões, com pouco mais de 10% bancados pela iniciativa privada
e o restante saindo dos cofres públicos", explica Silva. Ele lembra ainda
dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro,
onde ocorreu superfaturamento e suspeita de desvio de dinheiro.
TRANSPARÊNCIA
DOS GASTOS
Em artigo publicado no dia 31 de
março, na página de opinião do portal UOL,
o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, reconhece as de‑ ciências, mas acredita que
a transparência dos gastos públicos será o grande legado da Copa do Mundo de
futebol. "Toda a soberba e soberana nação que construímos em cinco séculos
é reduzida a de‑ ciências e deformidades, que certamente temos, mas que estão
longe de configurar a essência de nossa formação social," argumenta em
trecho do texto.
O
ministro observa que o País já realizou obras mais difíceis e importantes que
uma Copa e que também já foi palco do megaevento em 1950, mas, segundo Rebelo,
em 2014, parece objeto preferencial de um derrotismo de várias inspirações - a
começar do facciosismo político-partidário, que atira no torneio da FIFA para
atingir o governo. "Críticas podem aperfeiçoar qualquer projeto, mas a
diatribe só atende à morbidez das cassandras", aponta, exemplificando com
fatos históricos que não é de hoje que viceja no Brasil um pessimismo
voluptuoso. "As grandes rupturas de nossa história - a guerra aos
holandeses, a Independência, a República, a Abolição e a Revolução de 30 -
nunca foram perdoadas. Assim como ainda são increpados o Maracanã e Brasília -
alvos da 'fracassomania".
Para
Rebelo, as obras da Copa aceleram a infraestrutura que será de uso da população
local, traz turistas, melhorias da segurança e telecomunicações, empregos,
aumento capilarizado de negócios e consequente incremento do PIB. Além disso,
também reforça e introduz em grau inédito mecanismos de transparência dos
gastos públicos.
TURISMO E
OPORTUNIDADES
O Brasil e a cidade do Rio de
Janeiro estão entre os melhores destinos do mundo, na avaliação dos
internautas, de acordo com a rede social Minube, uma comunidade de viajantes e turistas
da internet. Em uma votação sobre os melhores destinos, o Brasil aparece entre
os dez países mais votados, e o Rio de Janeiro entre as 15 cidades do mundo que
mais receberam votos.
Segundo
o último estudo do Ministério do Turismo (MTur), em parceria com a Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o Rio de Janeiro é a cidade mais
visitada pelos estrangeiros, que vêm ao Brasil em busca de lazer e que recebeu
1,6 milhão de turistas internacionais. Em outra avaliação, mais recente, o
prêmio Travelers' Choice
Destinos2014, promovido pelo site de viagens TripAdvisor, São Paulo foi eleito o
melhor destino do Brasil - o Rio ganhou no ano passado.
A
disputa Rio-São Paulo é saudável e coloca o País no topo da lista. O Brasil é
considerado primeiro do mundo em atrativos naturais de acordo com um ranking de
competitividade em turismo do Fórum Econômico Mundial, que avalia 140 nações. O
setor de turismo de negócios e eventos é o segundo maior fator de atração de
visitantes estrangeiros para o Brasil: 25,6% dos turistas internacionais vêm ao
País com essa ‑finalidade, e seu gasto médio diário, US$ 127, é quase duas
vezes maior que o desembolso dos turistas de lazer.
Para
a Copa do Mundo, são esperados 413 mil estrangeiros e outros 841 mil
brasileiros visitando o Estado do Rio. A cada três turistas em movimentação
pelo País, dois passarão por alguma cidade do Rio durante o evento, segundo a
Secretaria de Estado de Turismo do Rio de Janeiro
Para
Marcelo Alberto da Cunha, geógrafo formado da instituição Faminas-BH, a Copa do
Mundo de futebol vai propiciar diversas oportunidades e também problemas aos
brasileiros em variados setores. "Podemos citar alguns: geração de empregos,
aprendizagem de outros idiomas, melhorias na infraestrutura do País, como
rodovias, aeroportos, sistemas de transportes, entre outros", pontua
Cunha. Ele menciona os possíveis danos como: desapropriações forçadas de moradias
e comércios, investimentos públicos inadequados, transtornos no trânsito,
gastos de recursos públicos desnecessários nas novas arenas esportivas, em
detrimento de outras antigas prioridades, como melhoria da saúde, educação,
segurança pública, saneamento, habitação e transporte públicos.
MOMENTO VALIOSO
Apesar de os problemas de infraestrutura e o
provável superfaturamento de algumas obras, a Copa do Mundo deve gerar 47,9 mil
vagas de trabalho no setor de turismo nos 12 estados-sede da competição, entre
os meses de abril e junho de 2014. A estimativa é da Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com base no fluxo de 3,6 milhões de
turistas que deverão circular pelo País durante a competição, de 12 de junho a
13 de julho.
O economista da CNC, Fabio Bentes, ressalta que o
número é 60% superior à geração de postos de trabalho nos 12 Estados no mesmo
período do ano passado (29,5 mil). Apesar disso, grande parte dessas vagas
deverá ser temporária.
"Pouquíssima gente deve ser absorvida depois
da Copa, porque o setor de turismo não está indo tão bem neste ano. É natural
que, depois da Copa, haja um enxugamento dessas contratações, porque são
trabalhos temporários mesmo", disse Bentes.
De acordo com a CNC, o setor de alimentação responderá
pela maior parte da geração de postos de trabalho. Ao todo, 16,1 mil vagas, ou
33,5% do total, deverão ser criadas por bares e restaurantes, que são o
principal segmento turístico, segundo a confederação.
Os transportes de passageiros deverão abrir 14 mil
vagas (29,2% do total), enquanto hotéis,
pousadas e similares responderão por 12,3 mil novos postos de trabalho (25,7%).
Outros setores gerarão menos vagas, como os serviços culturais e recreativos
(3,8 mil) e as agências de viagem (1,7 mil).
Em termos de remuneração, as maiores ‑ carão com as
agências de viagem (R$ 1.626). Em seguida, aparecem os transportes de
passageiros (R$ 1.449), os serviços culturais e recreativos (R$ 1.397), a
alimentação (R$ 935) e a hospedagem (R$ 900).
POSSÍVEIS ATAQUES DURANTE
A COPA?
Com diversas especulações sobre possíveis ataques
terroristas durante a Copa do Mundo de futebol, muitos especialistas estão
discutindo como as autoridades estão preparando o esquema de segurança para o
público. Para Gerardo Portela, autor do livro Gerenciamento de
Riscos Baseado em Fatores Humanos e Cultura de Segurança, esses ataques
assustam mais quando a população não tem histórico anterior de ações
terroristas, como os que ocorreram nos Estados Unidos, em 2011. "A
magnitude do evento e a quantidade de indivíduos envolvidos requerem uma
população bem orientada pelas autoridades. Serão milhares de pessoas nos
estádios, arredores, aeroportos e demais locais de concentração", explica
o especialista.
Para Portela, uma população bem orientada estará
atenta a esses comportamentos e, se houver algum "lapso de atenção"
por parte dos policiais e dos agentes responsáveis pela segurança, o terrorista
encontrará como dificuldade milhares de olhos e ouvidos. "As autoridades
devem instruir a população por meio da mídia, mostrando o que realmente é
suspeito e educando sobre a forma certa de uma pessoa agir, quando perceber
algo anormal, sem gerar atitude preconceituosa, injustiça e pânico
desnecessário", afirma.
O especialista também acredita que o Brasil,
diferentemente de muitos países, tem em sua cultura elementos extraordinários e
positivos. "Um deles é a predisposição da população em se engajar em
esforços de socorro e ajuda, por exemplo, em casos de enchentes e
catástrofes", aponta. Ele observa que nem todos os países têm esse fator
de predisposição tão valorizado em sua cultura.
Portela argumenta que as autoridades deveriam
aproveitar isso, reconhecer todas as falhas de infraestrutura e propor à
população um esforço baseado numa postura de humildade e, principalmente, de
superação das dificuldades que teremos todos que enfrentar, para que a Copa do
Mundo de futebol seja um sucesso, mesmo num país que, apesar de todos os
esforços, ainda está atrasado em termos de infraestrutura.
Além das Polícias Militar, Civil, Federal e das
Forças Armadas, parte da segurança será realizada por 12 empresas brasileiras
de Segurança Privada que trabalharão na Copa do Mundo em junho e julho,
complementando a segurança pública na proteção das pessoas e do patrimônio.
Em seminário promovido em São Paulo, com a
participação do Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança
Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo
(Sesvesp), a FIFA definiu também que de 700 a 1000 stewards trabalharão
dentro dos estádios. Stewards são os homens preparados para trabalhar em
grandes eventos.
Durante os jogos, a Sala de Comando e Controle do
Estádio será compartilhada; a integração entre a segurança pública e a privada
será feita pelo Comando Integrado, com decisões em forma de coparticipação. A
segurança privada não estará nos estádios para substituir a polícia pública ou
para trabalhar independentemente.
É trabalhar de forma integrada com as forças públicas, que estarão no estádio
como força garantidora da lei e da ordem - Grupos Especiais da PM. Além disso,
haverá serviços públicos nos estádios, como juizados especiais, saúde e
bombeiros.
DÚVIDAS
A sensação de incerteza cresceu com a proximidade do evento e, para 3.721 jovens (46%), o País não conseguirá cumprir as metas, pois "faltou organização". Isso foi o que mostrou a pesquisa elaborada pelo Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), que fez a pergunta para 8.067 jovens, de 15 a 26 anos, em todo o País.
Para Eva Busco , coordenadora de treinamento do
Nube, esse resultado não é fruto de negativismo, mas sim de um olhar crítico:
"O jovem cresceu observando muitos projetos não concluídos em diversos
setores, ou, no mínimo,‑ finalizados a custo de muitos atrasos e orçamentos
questionáveis". Em segundo lugar, representando o outro lado da moeda,
3.226 (40%) dos entrevistados preferem manter o otimismo e acreditam no
cumprimento da meta "mesmo sendo nos momentos ‑ nais". "A
Geração Y tem a característica de pensar positivo e de acreditar, mesmo com
prazos apertados, no sucesso dos seus objetivos, ou nos de seu país, mas
mantendo um senso crítico", analisa Eva. Já 698 (9%) deles perderam as
esperanças: "Demoramos muito para começar". Por ‑ m, 422 (5% dos
entrevistados) confiam no planejamento e no êxito pleno da preparação
brasileira.
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MANIFESTAÇÃO NA COPA
O ministro da Defesa, Celso Amorim, disse, em
abril, que a atuação das Forças Armadas na Copa do Mundo não pretende cercear o
direito de manifestação da população. O ministro ponderou, contudo, que os
militares não estão pedindo para atuar no controle de manifestações.
Durante audiência na Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional, Amorim frisou que Marinha, Exército e Aeronáutica
atuarão, prioritariamente, na defesa do espaço aéreo, da fronteira, no controle
de explosivos, de armamento químico e na defesa cibernética. Entretanto,
manterão também uma "força de contingência" para casos em que seja
necessário "garantir o emprego da lei e da ordem".
Em meados de abril, a presidente Dilma Rousse
garantiu que não vai tolerar manifestações durante o evento.
Questionado pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP)
sobre a edição de portarias com instruções para atuação dos militares nas
manifestações, o ministro disse que os documentos já foram modificados para
evitar "ambiguidades", mas poderão passar por novas alterações, para
que não haja "má interpretação".
"Concordo que as manifestações têm que ser
preservadas e que não há, no manual da lei e da ordem, previsão de cerceamento.
Na segunda edição, ‑fizemos uma revisão para evitar ambiguidades e más
interpretações. O manual é como um paralelo usado pelas forças da Missão de Paz
das Nações Unidas. Elas procuram dar clareza, para que os militares envolvidos
nessas ações não se excedam e saibam como se portar", argumentou Amorim.
Questionado sobre a possibilidade de revisão da Lei
de Anistia, Celso Amorim preferiu não se manifestar, mas ponderou que o tema
"não está na pauta do governo".
Na audiência, Amorim defendeu ainda o aumento dos
investimentos do País na área de Defesa. Segundo ele, atualmente, o Brasil
investe, por ano, 1,5% do Produto Interno Bruto - índice abaixo da média dos
países que formam os Brics (grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul). O ministro reinvidicou que os investimentos no setor sejam
elevados gradualmente até 2% do PIB.
Amorim classificou como grande destaque no desenvolvimento
da defesa nacional a aquisição de caças suecos Gripen-NG para a Força Aérea (o
chamado programa FX-2). "Como vamos produzi-los em conjunto, muitas
empresas nacionais estarão envolvidas no projeto, em áreas como ‑fibra de
carbono, por exemplo", pontuou.
Quando o evento terminar, será preciso realizar um
saldo dos acertos e equívocos. Feito isso, é preciso aprender e acertar para os
Jogos Olímpicos, que também vão exigir esforços públicos e gestão competente.
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